O exilio do cristão brasileiro em sua própria terra, na voz de Luciano Camargo

Luciano Camargo interpretou o hino “O Exilado”, da hinódia evangélica brasileira, de autoria de Justus Henry Nelson. Presente em hinários metodistas, batistas e pentecostais, o hino é também interpretado em outras denominações evangélicas.

Justus Henry Nelson, o autor do hino cantado por Luciano, foi um missionário metodista norte-americano autoctone que estabeleceu-se e viveu em Belém nas décadas finais do século 19 e primeiras do século 20. Ele escreveu dezenas de hinos presentes em hinários de diferentes denominações evangélicas. Ainda no século 19, durante o tempo do Império, Nelson foi preso por quatro meses por pregar contra a superstição e a idolatria do catolicismo brasileiro, então religião oficial.

A interpretação da música por Luciano Camargo é oportuna: ela retrata o conflito de visão de mundo até hoje prevalecente na cultura brasileira. De um lado, temos a corrente principal da Semana de Arte Moderna de 1922 e o movimento da Tropicália, que celebram o Brasil telúrico, dos sentidos, em que a exuberância da natureza e sensações subjuga o entendimento e reduz a consciência, e, consequentemente, a compreensão da vida. Do outro lado, a visão protestante de Nelson, que reduz essa exuberância às proporções corretas, enquadrando os sentidos e a sensualidade às suas proporções exatas. “Passarinhos belas flores tentam me encantar” são o registro dessa perspectiva, em que o apelo sensual da natureza encanta para além dos valores espirituais, excluindo-os.

A percepção não é exclusiva de Nelson, mas a solução evangélica sim. Na verdade, a corrente espiritualista (no sentido de valores espirituais) da literatura brasileira, que incluía nomes como Graça Aranha e Gilberto Freire, tinha essa crítica ao padrão cultural consolidado da Semana de 1922. Graça Aranha sinaliza essa perspectiva na obra “Canaã”, em que imigrantes de origem alemã se estabelecem no Brasil, mas enfrentam dificuldades relacionais, entre outros motivos, devido à tentação dos apelos sensuais da natureza. Em um triste trecho, um bebê recém-nascido, parido às escondidas, é comido por porcos. Essa cena é tida como a crítica à proposta cultural cristalizada na Semana de 1922: a da prevalência da natureza sobre o entendimento, ou seja, a inviabilização civilizacional que “Canaã” representa.

Essas propostas de uma abordagem dos valores espirituais do Ocidente em contraposição à sensualidade de 1922 infelizmente eram em sua maioria secularizadas e “terrestralizadas”, o que é contraditório.

Augusto Schmidt fala em seu artigo “O Cristo Autêntico” sobre o Cristo verdadeiro, mas esse verdadeiro corresponde mais às aspirações filosóficas do momento do que realmente ao Cristo histórico das Escrituras.

Por isso, a interpretação de Luciano Camargo é oportuna. De extração sertaneja – estilo musical associado ao campo e à natureza – o cantor interpreta um hino que é muito atual em seu sentido. O cristão brasileiro é verdadeiramente um exilado em sua própria pátria, onde a cultura principal promovida é aquela dos desproporcionais sentidos, do apelo emocional barato e imediato.

Há pouco espaço para um cristão de verdade na cultura brasileira. Talvez por isso, fracassadas as iniciativas dos secularistas saudosos dos valores espirituais do Ocidente, apenas os hinos cristãos dos hinários evangélicos tenham sobrevivida a esse século inteiro de guerra cultural e espiritual guardando grande vigor.

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